O Próximo Papa Será o Último? Saiba toda verdade sobre a profecia de São Malaquias

 


Ao longo da história, diversas "profecias" sobre o fim dos tempos e o último pontífice têm circulado dentro e fora dos círculos católicos. Entre as mais conhecidas está a chamada "Profecia dos Papas", atribuída a São Malaquias. Com o falecimento de um pontífice e o processo de sucessão, estas especulações frequentemente ganham novo fôlego. Mas qual é a posição da doutrina católica oficial sobre estas previsões? São dignas de crédito ou pertencem ao campo da pseudoteologia?

A Profecia de São Malaquias: Origens e Controvérsias

A chamada "Profecia dos Papas" atribuída a São Malaquias é um dos documentos proféticos mais discutidos no âmbito católico, especialmente durante períodos de transição papal. Para compreender adequadamente sua relevância e confiabilidade, é importante examinar detalhadamente suas origens, contexto histórico e as principais controvérsias que a cercam.

Quem Foi São Malaquias?


São Malaquias (1094-1148) foi uma figura histórica autêntica, não um personagem lendário. Nascido em Armagh, na Irlanda, tornou-se arcebispo de Armagh em 1132. Era conhecido por sua piedade, zelo reformador e habilidades administrativas. Manteve estreita amizade com São Bernardo de Claraval, que posteriormente escreveu sua biografia.

Malaquias foi o primeiro santo irlandês a ser canonizado formalmente pelo processo papal (em 1190 pelo Papa Clemente III). Sua festa litúrgica é celebrada em 3 de novembro. O que torna sua figura intrigante é que, apesar de ser um santo bem documentado historicamente, não há menção alguma a suas supostas profecias papais nos escritos de São Bernardo ou em qualquer outro documento contemporâneo.

O Aparecimento Tardio do Documento

A primeira aparição documentada da "Profecia dos Papas" ocorreu em 1595 – aproximadamente 447 anos após a morte de São Malaquias. O texto foi publicado pelo monge beneditino Arnold Wion em sua obra "Lignum Vitae" (Árvore da Vida), uma história da Ordem Beneditina.

Wion afirmou ter recebido o manuscrito de Dom Alfonso Chacón (1540-1599), um historiador dominicano. No entanto, há elementos questionáveis nessa apresentação:

  1. Silêncio histórico de quatro séculos: Não existe qualquer referência à profecia em documentos anteriores a 1595, nem mesmo na detalhada biografia escrita por São Bernardo, que conhecia pessoalmente Malaquias.
  2. Ausência do manuscrito original: Nunca foi apresentado o manuscrito original que teria sido preservado por mais de quatro séculos.
  3. Contexto político da publicação: O documento surgiu durante um período de intensas disputas pelo poder papal, quando listas de "papas predestinados" tinham relevância política.

Estrutura e Conteúdo da Profecia

O documento consiste em 112 breves frases latinas, chamadas de "lemas" ou "motes", cada uma supostamente descrevendo um pontífice desde o Papa Celestino II (eleito em 1143) até o fim dos tempos. O último papa é identificado como "Pedro, o Romano", com uma descrição mais extensa que sugere o fim do mundo durante seu pontificado.

A profecia completa contém:

  • 74 papas de Celestino II (1143-1144) até Urbano VII (1590)
  • 38 papas de Gregório XIV (1590-1591) até o suposto último pontífice

O lema final, mais extenso que os demais, diz: "Na perseguição extrema da Santa Igreja Romana ocupará o trono Pedro, o Romano, que apascentará as ovelhas em meio a muitas tribulações; terminadas estas, a cidade das sete colinas será destruída, e o Juiz terrível julgará o povo."

Controversas Características do Documento

Vários aspectos do documento levantam dúvidas significativas sobre sua autenticidade:

1. Precisão Cronológica Suspeita

Os lemas para os papas anteriores a 1590 (data próxima à publicação) são notavelmente precisos e facilmente identificáveis. Por exemplo:

  • Para o Papa Urbano III (1185-1187): "Sus in cribro" (Porco na peneira) – seu brasão de armas continha uma imagem de um porco.
  • Para o Papa Gregório IX (1227-1241): "Avis Ostiensis" (Ave de Óstia) – ele havia sido Cardeal-Bispo de Óstia e tinha pássaros em seu brasão.

Em contraste, os lemas para os papas posteriores à publicação se tornaram progressivamente vagos e sujeitos a interpretações forçadas.

2. Questões de Autoria e Motivação

O contexto do surgimento do documento levanta questões sobre possíveis motivações políticas:

  • Disputa pelo Papado: O final do século XVI foi marcado por intensas disputas de poder entre famílias influentes como os Colonna e os Orsini pelo controle do papado.
  • Interesse Espanhol: Alguns historiadores sugerem que o documento pode ter sido criado para influenciar a escolha de cardeais espanhóis em futuros conclaves, em um período de forte influência espanhola na Itália.
  • Legitimação Retrospectiva: A técnica de criar "profecias" que já se cumpriram parcialmente para dar credibilidade a previsões futuras era comum na literatura pseudoprofética da época.

Abordagens Interpretativas ao Longo da História

Ao longo dos séculos, a profecia tem sido interpretada de diferentes maneiras:

1. Interpretação Literal

Alguns intérpretes tentam estabelecer correspondências diretas entre os lemas e características específicas dos papas:

  • "Lumen in caelo" (Luz no céu) para Leão XIII (1878-1903) – seu brasão continha uma estrela.
  • "De labore solis" (Do trabalho do sol) para João Paulo II (1978-2005) – interpretado por alguns como referência ao eclipse solar no dia de seu nascimento ou suas muitas viagens "ao redor do sol".

2. Interpretação Histórico-Crítica

Historiadores e teólogos como o jesuíta padre Herbert Thurston (1856-1939) realizaram estudos críticos demonstrando inconsistências e anacronismos no texto. Thurston concluiu que a profecia provavelmente foi composta pouco antes de sua publicação em 1595, possivelmente para influenciar o conclave após a morte de Urbano VII.

3. Interpretação Simbólica-Espiritual

Alguns intérpretes veem os lemas não como previsões específicas, mas como símbolos espirituais dos desafios que a Igreja enfrentaria em diferentes períodos históricos.

A Posição da Igreja Católica Oficial

A Igreja Católica nunca reconheceu oficialmente a autenticidade da Profecia de São Malaquias. Entre as posições institucionais mais significativas:

  1. Inclusão no Índice: Em 1826, a profecia foi incluída no Index Librorum Prohibitorum (Índice de Livros Proibidos), indicando sérias reservas quanto ao seu conteúdo.
  2. Opiniões de Teólogos Oficiais: Eruditos católicos como o Monsenhor J.P. O'Connell, da Universidade Católica da América, caracterizaram o documento como "uma falsificação notável do final do século XVI".
  3. Posicionamento do Cardeal Ratzinger: O futuro Papa Bento XVI, quando Prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé, expressou ceticismo sobre a autenticidade do documento.

Os Antipapas e a Contagem Problemática

Uma complicação adicional na interpretação da profecia envolve a questão dos antipapas (indivíduos que reivindicaram o papado sem legitimidade canônica). A lista original não parece contabilizar os antipapas de maneira consistente:

  • Alguns antipapas são incluídos na contagem (como o antipapa Bento XIII)
  • Outros antipapas são ignorados
  • A Grande Cisma do Ocidente (1378-1417), quando havia múltiplos pretendentes ao trono papal, cria desafios adicionais para a contagem sequencial

Esta inconsistência na contabilização dos pontífices gera divergências sobre qual papa atual corresponderia a qual posição na lista de Malaquias.

Impacto Cultural e Literário

Apesar de sua duvidosa autenticidade, a profecia de São Malaquias teve impacto significativo na cultura, literatura e mesmo na percepção popular do papado:

  1. Influência em Conclaves: Há relatos de que, em conclaves passados, alguns cardeais consideram os lemas ao escolher nomes papais.
  2. Literatura e Ficção: A profecia inspirou numerosas obras de ficção, incluindo romances de suspense religioso e teorias conspiratórias.
  3. Sensacionalismo Midiático: Durante períodos de sede vacante, a profecia frequentemente ressurge em manchetes e reportagens especulativas.

A Posição Oficial da Igreja Católica

A doutrina católica mantém uma postura clara e equilibrada diante de supostas profecias particulares:

  1. Distinção entre Revelação Pública e Privada: A Igreja ensina que a Revelação pública, contida na Sagrada Escritura e na Tradição Apostólica, foi concluída com a morte do último apóstolo. Como afirma o Catecismo da Igreja Católica (§66): "Não se deve esperar da Revelação cristã nenhuma nova revelação pública antes da gloriosa manifestação de nosso Senhor Jesus Cristo."

  2. Autoridade das Revelações Privadas: As revelações privadas, mesmo quando reconhecidas pela Igreja, não pertencem ao depósito da fé. Sua função é apenas ajudar os fiéis a viver mais plenamente a fé já revelada em um determinado período histórico.

  3. Discernimento Necessário: A Igreja exerce prudência e discernimento diante de supostas profecias. Como ensina o apóstolo Paulo: "Não desprezeis as profecias, mas examinai tudo e guardai o que é bom" (1 Tessalonicenses 5,21).

Em relação específica à profecia de São Malaquias, a Igreja nunca a reconheceu oficialmente. De fato, está listada no Índice de Livros Proibidos desde 1826. Teólogos católicos renomados, como o Cardeal Joseph Ratzinger (futuro Papa Bento XVI), expressaram ceticismo em relação à sua autenticidade.

O Sensacionalismo Apocalíptico e seus Perigos

A doutrina católica adverte contra a fascinação excessiva por previsões apocalípticas. O próprio Cristo afirmou: "Quanto àquele dia e àquela hora, ninguém sabe, nem os anjos do céu, nem o Filho, mas só o Pai" (Mateus 24,36).

O Catecismo da Igreja Católica, ao abordar a segunda vinda de Cristo, enfatiza a vigilância espiritual constante ao invés da especulação cronológica: "A vinda do Reino de Deus não é suscetível de ser observada... É preciso estar preparado para o Julgamento final a qualquer momento" (CIC §673-674).

O sensacionalismo apocalíptico apresenta diversos riscos espirituais:

  1. Distorção da fé: Transfere o foco da pessoa de Cristo para especulações secundárias.

  2. Ansiedade desnecessária: Pode gerar medo e desespero entre os fiéis.

  3. Descrédito do cristianismo: Quando previsões específicas falham (como já ocorreu inúmeras vezes na história), a credibilidade da fé é prejudicada.

  4. Passividade: Pode levar a uma atitude fatalista em vez do engajamento ativo na missão da Igreja.

A Escatologia Autêntica Católica

A doutrina escatológica católica (referente ao fim dos tempos) mantém um equilíbrio entre a vigilância e a confiança em Deus:

  1. "Já e ainda não": A Igreja ensina que o Reino de Deus já está presente na história, principalmente na Eucaristia e na vida da graça, mas ainda aguarda sua plenitude.

  2. A grande tribulação: O Catecismo afirma que "antes da vinda de Cristo, a Igreja deverá passar por uma prova final que abalará a fé de numerosos crentes" (CIC §675), mas sem especificar cronologias ou sinais inequívocos.

  3. Esperança e vigilância: A atitude correta é a vigilância esperançosa: "Vigiai, pois, porque não sabeis nem o dia nem a hora" (Mateus 25,13).

  4. Missão continuada: Independentemente de quando ocorrerá o fim dos tempos, a missão da Igreja permanece: anunciar o Evangelho a todas as nações.

Como os Católicos Devem Interpretar Profecias Sobre "O Último Papa"

À luz da doutrina católica, os fiéis são convidados a:

  1. Prudência intelectual: Avaliar criticamente as fontes e autenticidade de supostas profecias.

  2. Fidelidade ao Magistério: Priorizar os ensinamentos oficiais da Igreja sobre as especulações privadas.

  3. Foco em Cristo: Manter o olhar fixo em Jesus, não em cronologias apocalípticas.

  4. Oração pelo Papa: Independentemente de ser o "último" ou não, cada pontífice merece as orações dos fiéis.

  5. Conversão contínua: A melhor preparação para o fim dos tempos é a vida virtuosa no presente.

Conclusão: Expectativa Serena, Não Ansiedade Apocalíptica

A doutrina católica sobre o fim dos tempos caracteriza-se por uma expectativa serena, fundamentada na confiança em Deus e não no medo. Como expressou São João Paulo II: "Não tenhais medo! Abri, ou melhor, escancarai as portas a Cristo!"

Quanto à questão específica "O próximo papa será o último?", a resposta da doutrina católica é clara: ninguém pode afirmar isso com certeza. A Igreja continuará sua missão até que Cristo venha em glória, seja após o próximo pontífice ou após muitos outros.

O que importa não é decifrar supostos códigos proféticos, mas viver cada dia na fé, esperança e caridade, como ensina o Catecismo: "A expectativa de uma nova terra não deve, porém, enfraquecer, mas antes ativar a solicitude em ordem a desenvolver esta terra, onde cresce o corpo da nova família humana" (CIC §1049).

Eis a verdadeira atitude católica diante do futuro: não o sensacionalismo apocalíptico, mas a vigilância esperançosa, ativa na caridade e confiante na providência divina.

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