O adeus ao papa da misericórdia
O mundo católico viveu hoje um momento histórico quando o caixão com os restos mortais do Papa Francisco foi depositado em seu lugar de descanso final na Basílica de Santa Maria Maior, em Roma. Esta decisão, que quebra uma tradição de mais de um século, revela muito sobre a espiritualidade e as devoções pessoais do pontífice argentino que liderou a Igreja Católica por 12 anos.
Após as solenes cerimônias fúnebres na Praça de São Pedro, o corpo do Santo Padre percorreu as ruas de Roma em um cortejo que uniu fiéis de todo o mundo em um último adeus. O trajeto de aproximadamente seis quilômetros entre o Vaticano e a basílica mariana foi carregado de simbolismo e emoção.
Uma escolha significativa para o descanso eterno
A decisão do Papa Francisco de ser sepultado na Basílica de Santa Maria Maior marca o retorno a uma antiga tradição. O último pontífice a ser enterrado fora do Vaticano havia sido o Papa Leão XIII, em 1903, cujos restos mortais encontram-se na Basílica de São João de Latrão, catedral de Roma.
Esta escolha não foi arbitrária, mas profundamente conectada com a espiritualidade mariana que caracterizou o pontificado de Francisco. A Basílica de Santa Maria Maior, uma das quatro basílicas maiores de Roma, abriga o venerado ícone bizantino da Salus Populi Romani (Salvação do Povo Romano), uma representação da Virgem Maria que o papa visitou em mais de 100 ocasiões durante seu pontificado.
Uma devoção mariana que atravessou continentes
A ligação de Jorge Mario Bergoglio com este ícone mariano remonta a muito antes de sua eleição como Papa. Ainda como arcebispo de Buenos Aires, ele fazia questão de visitar a basílica e rezar diante do ícone sempre que viajava a Roma. Essa prática devocional ganhou ainda mais significado durante seu pontificado, quando estabeleceu o costume de visitar a imagem antes e depois de cada viagem apostólica.
Em um gesto comovente e providencial, o Santo Padre teve a oportunidade de se despedir deste ícone tão querido apenas duas semanas antes de sua morte, ocorrida em 12 de abril. Esta última visita, agora sabemos, foi uma preparação espiritual para sua passagem à casa do Pai.
O local escolhido dentro da basílica
O local específico do sepultamento possui grande significado. O nicho que agora abriga os restos mortais do Papa Francisco está localizado na nave central da basílica, estrategicamente posicionado entre a Capela Paulina, onde se encontra o venerado ícone da Salus Populi Romani, e a Capela Sforza. O espaço, que anteriormente servia como local de armazenamento para candelabros, foi transformado para receber o túmulo do pontífice.
Este posicionamento permite que Francisco permaneça simbolicamente próximo à imagem mariana que tanto amou e venerou durante toda sua vida. É como se, mesmo após sua morte, continuasse em atitude de oração diante da Mãe de Deus.
Uma cerimônia íntima para o último adeus
O sepultamento propriamente dito foi realizado em uma cerimônia privada, seguindo o ritual tradicional para o funeral de um pontífice. Estiveram presentes figuras importantes da hierarquia católica, incluindo o camerlengo, cardeal Kevin Farrell, o vigário-geral da diocese de Roma, o prefeito da Casa Pontifícia, o cerimoniário papal e familiares do Papa Francisco.
Cumprindo os protocolos, o caixão recebeu os selos oficiais do camarlengo, da prefeitura da Casa Papal e do Escritório de Cerimônias Litúrgicas. Um notário elaborou um documento oficial atestando a realização do sepultamento, conforme exige a tradição.
O momento final da cerimônia incluiu a aspersão do caixão com água benta e a recitação da Salve Regina, uma das mais antigas e amadas orações marianas da Igreja Católica – um último tributo à devoção mariana que caracterizou o pontificado de Francisco.
Um túmulo simples para um homem simples
Fiel ao estilo humilde que caracterizou sua vida e pontificado, o túmulo do Papa Francisco é marcado pela simplicidade. Feito de mármore da Ligúria, região do norte da Itália de onde seus avós partiram para emigrar à Argentina, o sepulcro traz apenas a inscrição "FRANCISCUS", dispensando adornos ou epitáfios elaborados.
Esta simplicidade reflete os valores que Francisco tanto pregou durante seu pontificado: humildade, despojamento e essencialidade. Mesmo na morte, o papa que sempre rejeitou luxos e privilégios continua a testemunhar a mensagem evangélica da simplicidade.
Um gesto de aproximação aos pobres e excluídos
Em um detalhe tocante que reflete o coração de seu ministério, o caixão do Papa Francisco foi recebido na basílica não apenas pelas autoridades eclesiásticas, mas também por um grupo de pessoas em situação de vulnerabilidade da cidade de Roma, organizados pela Comunidade de Santo Egídio, movimento com o qual o pontífice sempre manteve estreitos laços.
Este gesto simboliza perfeitamente o pontificado de um homem que fez da opção preferencial pelos pobres e marginalizados uma de suas principais bandeiras. O "Papa dos pobres", como muitos o chamavam, quis estar próximo dos menos favorecidos até em seus momentos finais.
A história continua: o legado mariano de Francisco
A decisão do Papa Francisco de ser sepultado na Basílica de Santa Maria Maior é mais um capítulo na longa história da devoção mariana dos pontífices romanos. Desde o Concílio de Éfeso (431 d.C.), quando Maria foi proclamada "Theotokos" (Mãe de Deus), os papas têm promovido a devoção à Virgem Maria como parte essencial da espiritualidade católica.
No caso específico do ícone da Salus Populi Romani, sua história remonta aos primeiros séculos do cristianismo. Segundo a tradição, teria sido pintado pelo evangelista São Lucas e trazido a Roma no século V. Durante séculos, este ícone tem sido objeto de profunda devoção, sendo invocado especialmente em momentos de crise, como epidemias e guerras.
O Papa Francisco, ao escolher repousar próximo a este ícone, não apenas honra sua devoção pessoal, mas também se insere nesta tradição milenar, continuando a apontar para Maria como modelo de fé e discipulado.
Uma lição de fé para todos os católicos
Para os fiéis católicos, a escolha do local de sepultamento do Papa Francisco oferece uma profunda lição espiritual. Em um mundo cada vez mais secularizado, onde as devoções tradicionais muitas vezes são negligenciadas, o gesto do pontífice reafirma a importância da piedade mariana na vida cristã.
A relação de Francisco com a Salus Populi Romani nos lembra que a devoção a Maria não é uma distração da centralidade de Cristo, mas um caminho seguro para chegar a Ele. Como o próprio pontífice frequentemente enfatizava, Maria é aquela que sempre aponta para seu Filho, dizendo-nos como em Caná: "Fazei tudo o que Ele vos disser" (Jo 2,5).
Conclusão: Um descanso junto à Mãe
O Papa Francisco encontrou seu descanso eterno próximo à imagem da Virgem que tanto amou durante sua vida. Esta escolha final nos deixa um testemunho eloquente de sua espiritualidade e de seu entendimento da fé católica.
Enquanto a Igreja se prepara para eleger um novo pastor, os fiéis podem encontrar consolo na certeza de que, mesmo após sua partida terrena, Francisco continua em sua atitude característica: ajoelhado em oração diante da Mãe de Deus, intercedendo pela Igreja e pelo mundo.
Para os peregrinos que visitarem a Basílica de Santa Maria Maior nos próximos anos, o túmulo do Papa Francisco será não apenas um local de memória, mas um convite à reflexão sobre seu legado espiritual e um lembrete da centralidade da devoção mariana na vida cristã.
Maria, Salus Populi Romani, agora recebe sob sua proteção maternal aquele que tanto a venerou em vida. E nós, como Igreja, confiamos que por sua intercessão, o Papa Francisco agora contempla face a face o rosto de Cristo, a quem serviu fielmente até o fim.
Este artigo é uma homenagem ao Papa Francisco (Jorge Mario Bergoglio), que serviu como Sumo Pontífice da Igreja Católica de 13 de março de 2013 até 12 de abril de 2025.