Um último tributo ao 266º Pontífice
Na solene cerimônia de sepultamento realizada hoje na Basílica de Santa Maria Maior em Roma, o Papa Francisco foi conduzido ao seu descanso eterno em um caixão que, para além de sua função prática, carrega profundos significados simbólicos. A camada de zinco que envolve o féretro papal, seguindo uma tradição secular da Igreja Católica, contém elementos que resumem a vida e o legado daquele que conduziu a barca de Pedro por mais de doze anos.
Os elementos simbólicos do caixão
O caixão papal, tradicionalmente confeccionado em três camadas (cipreste, zinco e carvalho), apresenta na sua camada intermediária de zinco uma série de elementos que identificam o falecido pontífice e seu ministério petrino. Estes símbolos não apenas identificam o corpo, mas também expressam aspectos da fé católica e da missão apostólica exercida pelo Santo Padre.
A cruz: símbolo primordial
Na parte superior do caixão, na altura da cabeça do pontífice, destaca-se uma cruz, símbolo máximo da fé cristã. Este posicionamento não é casual: representa a fidelidade do Papa Francisco a Cristo crucificado e ressuscitado, a quem serviu como Vigário na terra. A cruz na altura da cabeça também simboliza que o pensamento e a mente do pontífice estiveram sempre voltados para Cristo e Seu evangelho.
A cruz, elemento central do cristianismo, resume o ministério pastoral de Francisco, que frequentemente enfatizava a centralidade do mistério pascal na vida cristã. Como ele mesmo afirmou em várias ocasiões, "não se pode compreender um cristão sem a cruz, nem a cruz sem Cristo".
A placa central: memória histórica
No centro do caixão encontra-se uma placa solene escrita em latim, língua oficial da Igreja, que identifica Jorge Mario Bergoglio como Sumo Pontífice da Igreja Católica. Esta placa não apenas nomeia o falecido, mas também registra para a posteridade informações biográficas essenciais sobre sua vida e seu pontificado.
De acordo com a inscrição, o Papa Francisco "viveu 88 anos, 4 meses e 4 dias e governou a Igreja Católica por 12 anos, 1 mês e 8 dias, de 13 de março de 2013 a 21 de abril de 2025". Este registro preciso segue uma tradição antiga da Igreja de documentar com exatidão o tempo de vida e o período de ministério papal, inserindo assim o pontificado de Francisco na linha ininterrupta de sucessão apostólica que remonta a São Pedro.
A data de 21 de abril de 2025 marca o dia em que o Papa Francisco foi chamado à casa do Pai, encerrando um pontificado que transformou significativamente a Igreja Católica no século XXI. Nascido em 17 de dezembro de 1936 em Buenos Aires, Argentina, Jorge Mario Bergoglio viveu quase nove décadas, dedicando grande parte de sua vida ao serviço da Igreja – primeiro como jesuíta, depois como bispo e cardeal, e finalmente como o primeiro papa do continente americano e o primeiro da Companhia de Jesus.
O escudo papal: identidade e programa
Na parte inferior da placa central, está gravado o escudo papal que Francisco escolheu ao início de seu pontificado. Este emblema heráldico, mais que um simples símbolo, representa o programa espiritual e pastoral que guiou seu ministério petrino.
O escudo do Papa Francisco manteve elementos de seu brasão episcopal, com algumas adaptações. Sua simplicidade reflete o estilo do pontífice argentino, conhecido por seu apreço à humildade e essencialidade. O emblema apresenta um escudo azul com três símbolos principais:
- No centro, o emblema da Companhia de Jesus: o sol com o monograma IHS (as três primeiras letras do nome de Jesus em grego), com uma cruz acima e três pregos abaixo, simbolizando a paixão de Cristo.
- À esquerda, uma estrela, símbolo tradicional da Virgem Maria, a quem o Papa sempre demonstrou profunda devoção, especialmente sob o título de Salus Populi Romani.
- À direita, um ramo de nardo, flor que representa São José, patrono da Igreja universal e modelo de humildade e serviço silencioso.
Abaixo do escudo, encontra-se o lema escolhido por Francisco ainda como bispo: "Miserando atque eligendo" ("Olhou-o com misericórdia e o escolheu"), extraído de uma homilia de São Beda sobre a vocação de São Mateus. Esta frase resume a experiência de vocação do próprio Jorge Bergoglio e a espiritualidade que marcou seu pontificado: a convicção de ter sido olhado com misericórdia por Deus e chamado ao serviço apesar de suas limitações humanas.
A tradição dos três caixões
O uso de três camadas no caixão papal segue uma tradição que remonta a séculos na história da Igreja. Cada material utilizado carrega significados próprios:
-
Cipreste (camada interna): Simboliza a imortalidade da alma. Esta madeira, conhecida por sua durabilidade e resistência à decomposição, representa a vida eterna prometida aos fiéis cristãos.
-
Zinco (camada intermediária): Tem função prática de preservação, mas também simboliza a dignidade do ofício papal. É nesta camada que se encontram os símbolos discutidos anteriormente.
-
Carvalho (camada externa): Representa a força e a nobreza. No caso do Papa Francisco, esta camada exterior simples e sem adornos excessivos reflete sua preferência pela simplicidade e sua rejeição à ostentação.
Durante o funeral na Praça de São Pedro, apenas as camadas de cipreste e carvalho estavam visíveis aos fiéis. A camada de zinco, com suas inscrições e símbolos, permaneceu entre as duas, selada hermeticamente, e foi vista apenas pelos responsáveis pelo sepultamento.
Um detalhe significativo: a precisão cronológica
Vale notar a meticulosa precisão com que a duração da vida e do pontificado de Francisco foi registrada: "88 anos, 4 meses e 4 dias" de vida e "12 anos, 1 mês e 8 dias" de pontificado. Esta exatidão não é apenas uma curiosidade burocrática, mas reflete a importância que a Igreja Católica atribui à continuidade histórica e à sucessão apostólica.
Cada dia do ministério papal é considerado significativo na história da salvação e no caminho da Igreja peregrina na terra. Por isso, o registro preciso do tempo de cada pontificado faz parte da tradição eclesial, documentando com exatidão o período em que cada sucessor de Pedro guiou o rebanho de Cristo.
O zinco como testemunha para a posteridade
A camada de zinco do caixão papal possui também uma função prática fundamental: preservar o corpo do pontífice e os elementos simbólicos que o acompanham para a posteridade. O metal, selado hermeticamente, protege o conteúdo das intempéries e da deterioração por longos períodos.
Esta preservação material reflete uma verdade espiritual da fé católica: a convicção de que, embora o corpo humano esteja sujeito à decomposição, está destinado à ressurreição final. O cuidado com que a Igreja trata os restos mortais de seus líderes espirituais expressa o respeito pelo corpo humano como templo do Espírito Santo e a esperança na ressurreição prometida por Cristo.
A localização do sepulcro: uma exceção significativa
Como mencionado anteriormente, o Papa Francisco foi sepultado na Basílica de Santa Maria Maior, tornando-se o primeiro pontífice desde Leão XIII (falecido em 1903) a ser enterrado fora da Basílica de São Pedro.
Esta escolha pessoal reflete a profunda devoção mariana do papa argentino, especialmente sua ligação com o ícone bizantino da Salus Populi Romani abrigado naquela basílica. Francisco visitou esta imagem mais de cem vezes durante seu pontificado, antes e depois de cada viagem apostólica, estabelecendo uma tradição pessoal que expressava sua confiança na intercessão maternal de Maria.
O caixão com os três materiais simbólicos foi colocado em um nicho preparado especialmente na nave central da basílica, entre a Capela Paulina (onde se encontra o venerado ícone mariano) e a Capela Sforza. O local, anteriormente usado para guardar candelabros, foi transformado em um sepulcro digno mas simples, refletindo o estilo de vida e ministério do pontífice.
O significado para os fiéis
Para os fiéis católicos, os detalhes do caixão papal não são meros elementos decorativos, mas expressões visíveis de verdades espirituais e eclesiológicas profundas. Cada símbolo convida à reflexão sobre aspectos centrais da fé e sobre o legado específico do Papa Francisco:
- A cruz na altura da cabeça lembra a centralidade de Cristo na vida cristã e no ministério papal.
- A placa com as datas precisas insere o pontificado de Francisco na história bimilenar da Igreja.
- O escudo com seus elementos simbólicos resume o programa espiritual que guiou seu ministério: devoção a Jesus, Maria e José, e um serviço marcado pela misericórdia.
Estes elementos, embora agora ocultos à vista dos fiéis dentro do sepulcro, permanecem como um testemunho silencioso para as gerações futuras sobre quem foi Jorge Mario Bergoglio e como ele entendeu e exerceu sua missão como Sucessor de Pedro.
Conclusão: Um legado gravado em zinco
Os símbolos e inscrições na camada de zinco do caixão do Papa Francisco representam muito mais que meras formalidades funerárias. Constituem um resumo material de sua vida, missão e legado espiritual. Cada elemento foi cuidadosamente escolhido para expressar aspectos fundamentais de sua identidade como cristão, sacerdote e papa.
Enquanto o corpo do pontífice repousa agora no interior da Basílica de Santa Maria Maior, próximo ao ícone mariano que tanto venerou, estes símbolos permanecem como testemunhas silenciosas de um homem que, durante doze anos, guiou a barca de Pedro com humildade, coragem e misericórdia.
Para os católicos e para todos os homens e mulheres de boa vontade que acompanharam seu pontificado, estes elementos simbólicos são um convite à memória agradecida e à continuidade do caminho de renovação eclesial que Francisco procurou promover durante seu ministério petrino.
A cruz, a placa e o escudo, gravados na camada de zinco do caixão papal, são agora parte do patrimônio histórico e espiritual da Igreja Católica, testemunhando para as futuras gerações o legado do 266º Sucessor de Pedro, o Papa que veio "do fim do mundo" para servir a Igreja universal.
Este artigo é uma homenagem ao Papa Francisco (Jorge Mario Bergoglio, 1936-2025), que serviu como Sumo Pontífice da Igreja Católica de 13 de março de 2013 a 21 de abril de 2025.